quarta-feira, agosto 29, 2007

Revitalizar o São Francisco e a Caatinga é restituir a vida

Transposição é a inversão desta ordem

A Caatinga é o bioma que constitui a ecorregião semi-árida única no mundo. Na língua indígena significa “Mata Branca”, ou seja, floresta que tem características próprias, entre os quais possui duas adaptações importantes: a queda das folhas na época de estiagem e a presença de sistemas de raízes bem desenvolvidos. A perda das folhas é uma adaptação para reduzir a perda de água por transpiração e raízes bem desenvolvidas aumentam a capacidade de obter água do solo. Sem folhas nos períodos de estiagem para se proteger da quentura, ela se recolhe para aflorar no momento certo. A Caatinga sabe bem conviver com o clima em que vive.

No entanto, é considerado o bioma mais ameaçado e degradado do Brasil. A “Mata Branca” está atualmente com 50% recoberta por vegetação nativa. Essa destruição vem sendo intensificada pelos grandes projetos, queimadas, monocultivos, etc. Sua biodiversidade única no mundo apresenta mostras significativas de degradação entre os quais, os grandes projetos são os principais responsáveis pela exploração predatória que vem ocorrendo ao longo dos anos.

É nesta região semi-árida da caatinga que se concentraram boa parte das obras hídricas da indústria da seca, monopolizados pelos grandes latifúndios, onde a terra e a água são privilégios de uns poucos. Desde o Império, quando essas obras tiveram início, os governos prosseguem com um tipo de desenvolvimentismo que atrai e sustenta à burguesia coronelista ainda vigente na região. Igualmente, o modelo de produção imposto historicamente é inadaptável à região. No vale do São Francisco, considerado Beira Rio Caatinga, por exemplo, a irrigação foi incentivada com o uso de técnicas inapropriadas e o resultado tem sido desastroso, a salinização do solo é hoje uma realidade, especialmente na região onde os solos são rasos e a evaporação da água ocorre rapidamente devido ao calor.

Outro problema é a contaminação das águas por agrotóxicos. Depois de aplicado nas lavouras, o agrotóxico escorre das folhas para o solo, levado pela irrigação e daí para as represas, matando os peixes. Nos últimos 15 anos, 40 mil km2 de Caatinga se transformaram em deserto devido a interferência da agricultura extensiva na região. As siderúrgicas e olarias também são responsáveis por este processo, devido ao corte da vegetação nativa para produção de lenha e carvão. Os açudes do Poço da Cruz em Ibimirim-PE e o açude Boqueirão na Paraíba, para onde querem levar as águas do São Francisco no eixo leste da transposição, são exemplos de desperdício de água para o uso intensivo de irrigação. O resultado é o empobrecimento ainda maior da população local.

A caatinga pela sua característica só comporta uma agricultura sustentável, agroecológica, diversificada, adaptada. Seus solos rasos e arenosos somente suportam pequenos sistemas de irrigação adaptados diminuindo o nível de evaporação e salinização. A captação da água de chuva, o armazenamento e o seu uso racional, assim como as plantas da caatinga o fazem é a melhor solução.
Segundo Manoel Bonfim Ribeiro, ex-diretor do DENOCS e da CODEVASF, “o volume de água evaporada dos oito açudes receptores no eixo norte e leste, será superior ao volume das águas trazidas pela transposição, em 1,69 bilhões de metros cúbicos (m3). Portanto, a transposição do Rio São Francisco nada acrescenta ao potencial hídrico do Nordeste”. Significa que a transposição é um projeto inviável que não se adapta a realidade do semi-árido.

Uma verdadeira Revitalização se opõe ao projeto de transposição. Convivência com o semi-árido, também se opõe ao projeto de transposição. A Caatinga assim como o São Francisco carecem de planejamento estratégico permanente e dinâmico com o qual se pretende evitar a perda da biodiversidade dos seus biomas. Carecem de que o povo e sua biodiversidade sejam respeitados em sua dignidade e seu modo de ser. Igualmente, uma verdadeira revitalização do Rio São Francisco e a revitalização do semi-árido brasileiro significam a restituição essencial da Vida, o projeto de transposição é a inversão desta ordem.

* Alzení Tomáz, é membro do CPP NE - Conselho Pastoral dos Pescadores e faz parte da Articulação Popular do Baixo São Francisco.