segunda-feira, agosto 06, 2007

UM OUTRO NORDESTE É POSSÍVEL SEM TRANSPOSIÇÃO

Às Autoridades da República e dos Estados Nordestinos
Ao Povo do Nordeste e do Brasil

Entidades, abaixo-relacionadas, participantes do II Fórum Social Nordestino, reunido em Salvador, Bahia, de 2 a 5 de agosto de 2007, ao concluir os debates sobre o desenvolvimento do Nordeste, manifestam-se contrárias ao Projeto de Transposição de águas do Rio São Francisco, renomeado “Projeto de Integração de Bacias”. Em seu lugar propõem medidas alternativas que configurem um outro modelo de desenvolvimento, calcado das potencialidades locais, centrado na pessoa humana e apropriado ao meio-ambiente. Só assim, poderá ser saldada a dívida histórica que o Brasil tem com o Nordeste.

A transposição não é o que parece – está ficando evidente. Por trás da aparente boa intenção de levar água para saciar a sede de 12 milhões de nordestinos (população da região setentrional em 2020), esconde-se uma bem urdida trama para desvio de recursos públicos, benefício de empreiteiras, atendimento a interesses político-eleitorais e fornecimento de infra-estrutura hídrica para grandes negócios de exportação.

Deste modo, o projeto recicla os velhos esquemas da “ideologia da seca” e da “indústria da seca”, travestidos em agro e hidro-negócios, que em nome da sede e da fome continuam consumindo rios de recursos públicos para benefício de uma pequena elite econômica e política da região e do Centro-Sul do país, hoje internacionalizada. Como a experiência tem comprovado, o resultado será um falso desenvolvimento: concentração de investimentos, de recursos naturais, de riqueza, renda e poder; super-exploração do trabalho, exclusão social, aumento da pobreza, migração e urbanização desordenada; dilapidação da natureza e agravamento da crise ambiental. Talvez em escala e profundidade ainda maiores, por conta do tipo de empreendimentos a consumir as águas transpostas: monoculturas, intensivas em capital e tecnologia, concentracionistas e excludentes, destinadas ao mercado externo.

A transposição não inova nem recria as bases do desenvolvimento nordestino, antes potencializa as tendências atuais que combinam o turismo no litoral com alguns poucos pólos industriais e outros da agroindústria da irrigação no semi-árido e no cerrado, a expandir com a demanda priorizada dos agrocombustíveis. O pólo siderúrgico do Pecém, em Fortaleza-CE, além de águas da transposição, consumirá grandes quantidades de carvão vegetal – ameaça fatal para o que resta de Cerrado e Caatinga no Nordeste.

O modo com que o Governo Federal vem tentando impor o projeto combina propaganda enganosa com autoritarismo e desrespeito ao espírito e até às formalidades da Lei. Não foram cumpridos os condicionantes estabelecidos pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Sepúlveda Pertence, quando suspendeu as liminares que impediam as obras. Por essas e por todas as outras ilegalidades cometidas, esperamos que ele, acolhendo o agravo apresentado pelo Procurador Geral da República, Dr. Antonio F. de Souza, embargue as obras iniciadas. Do Pleno do STF esperamos a justa decisão pelo arquivamento definitivo do projeto.

O desenvolvimento do Nordeste para se verdadeiro precisa tomar a região como um todo e não de maneira esfacelada e conflitiva, como faz a transposição, criando divisões e disputas, que não são do interesse da sociedade e da população que trabalha e produz a riqueza. Para o abastecimento hídrico das cidades apoiamos as 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas, que a um custo de 3,3 bilhões de reais, metade do orçamento da transposição até 2010, beneficiará 34 milhões de pessoas em 10 estados. Para o meio rural defendemos as mais de 140 tecnologias testadas e aprovadas pela ASA – Articulação do Semi-Árido e pela EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. São iniciativas muito mais coerentes com os impactos anunciados pelas mudanças climáticas, resultado do mesmo modelo que se reproduz na transposição.

Ao contrário do que sempre se impôs acreditar, a região semi-árida do Nordeste, que abrange 53 % do seu território e abriga mais de 40% de sua população, reúne as condições suficientes para o seu desenvolvimento sustentável autônomo, capaz de promover vida digna para todos. A bacia do Rio São Francisco, bem como as de todos os rios nordestinos, carecem de urgente e verdadeira revitalização, com despoluição e revegetação.

No II Fórum Social Nordestino a sociedade civil organizada demonstra que o Nordeste não se divide e está unida para rechaçar o falso desenvolvimento. Um outro Nordeste é possível sem transposição, porque com transposição é o mesmo e velho Nordeste! Basta de tapeação! Conviver com o semi-árido é a solução!


Salvador, 5 de agosto de 2007.