segunda-feira, maio 04, 2009

O POVO ANACÉ E A COBRA DA TRANSPOSIÇÃO

Nas falas dos índios, o projeto de Transposição do Rio São Francisco “é uma cobra” que tem o seu rabo na foz e na área das grandes barragens, e sua cabeça no complexo industrial e portuário de Pecém, em terra indígena Anacé. De fato segundo o projeto, a água canalizada no trecho Norte terminará seu curso nos municípios de Caucaia e São Gonzalo do Amarante, próximo de Fortaleza, para abastecer (a um ritmo de milhares de litros por segundo) grandes indústrias multinacionais a ser instaladas: uma siderúrgica, uma refinaria e outras empresas de produção de cimento, de plástico e materiais industriais.


Nessa mesma área, moram mais de mil famílias e muitas se auto-reconhecem como indígenas Anacé. Todas estão ameaçadas de desapropriação e despejo, por força de um Decreto emitido pelo Governo Estadual do Ceará em 2006, que deveria ser cumprido até o final de 2009.


Com o apoio do Ministério Publico Federal, o povo Anacé reivindica com urgência a nomeação do Grupo de Trabalho (GT) antropológico da FUNAI para identificação do seu território e para salvar assim da destruição preciosos sítios arqueológicos, antigos cemitérios e lugares sagrados que fazem parte da historia indígena Anacé, do passado como do presente. Exigem que os procedimentos de cadastramento e desapropriação, assim como as obras, parem até que suas terras sejam oficialmente reconhecidas como indígenas. Fazendo apelo a Constituição Brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de quem o Estado Brasileiro é signatário, reclamam o seu direito de ser previamente e adequadamente consultados, como indígenas, em mérito a grandes projetos que afetem suas terras.


Além disso, denunciam as graves irregularidades com que todo o processo de construção e ampliação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém está sendo levado a frente, desde os anos ’90 até hoje. O porto foi construído sem a adequada licença ambiental do IBAMA e só 10 anos depois, no dia 20 de Abril desse ano, a Justiça condenou o Governo Estadual do Ceará a cumprir seus deveres de compensação pelos danos ambientais produzidos na região. E mais uma vez, o projeto de ampliação do complexo, que já começou, não tem ainda hoje uma adequada licença ambiental. A estratégia é mais uma vez a mesma: construir ilegalmente grandes obras com um forte impacto sobre o meio ambiente e os moradores locais, pagar o modesto preço das compensações e fazer assim legalizar a força o que já foi construído ilegalmente.


As obras e o cadastro da população e das propriedades fundiárias, que pré anunciam o despejo, estão continuando apesar das muitas irregularidades denunciadas pelos moradores. As equipes do IDACE encarregadas de fazer o cadastro não informam adequadamente a população, que as vezes é semi-analfabeta, da finalidade desse procedimento e chegam até a mentir, a invadir propriedades quando o dono não está e a difundir informações contraditórias e confusas. Por outro lado, com promessas de emprego seguro e de boas indenizações, até criando a esperança em umas comunidades de ficar fora da desapropriação (sem nenhuma real garantia e compromisso), o governo está procurando dividir aqueles que se mobilizam para não sair das suas terras ancestrais, em particular o movimento indígena.


Mais é suficiente visitar um dos assentamentos que foram realizados pelo governo, depois da primeira desapropriação, para ver com os próprios olhos que as faceeis promessas mudam-se numa realidade de miséria e sofrimentos. O emprego, quando tem, é precário, temporário. A nova terra não da frutas, porque não é fértil, porque uma arvore para crescer precisa de anos e anos. E o dinheiro das indenizações pronto se acabou...se uma casa de taipa vale 300 Reais e um pé de carnaúba 30 centavos, a conta é rápida. Não tem dinheiro que possa pagar aquelas arvores plantadas pelos avos, aquela casa da própria infância, aquela terra que contem uma memória que é futuro, um outro tempo, mais humano.


Martina Feliciotti - CIMI