domingo, agosto 19, 2007

Mantido Mutirão Popular pela Manutenção da Vida, mesmo com pressão do Governo


Clarice Maia*

Povos e comunidades tradicionais, organizações sociais e movimentos populares formam hoje a expressão mais forte da resistência e trabalho pela manutenção da vida, na Bacia do rio São Francisco. Todavia, a manutenção da vida se torna um constante alerta para com os jogos de interesses e ações desrespeitosas, escondidos sob argumentos pouco aprofundados ou manobrados conforme a conveniência.
O que se vê é a constante relação entre a ação desencadeada pelo verdadeiro mutirão popular e o aparente descaso do governo - utilizado para encobrir retaliações ou apropriações indevidas do ímpeto da ação popular.
A palavra mutirão vem do tupi mutiro e se refere ao “auxílio, gratuito que prestam uns aos outros os lavradores, reunindo-se todos os da redondeza e realizando o trabalho em proveito de um só, que é o beneficiado”, conforme explica o dicionário Aurélio. É essa a palavra que simboliza a ação de mais de 300 organizações e milhares de pessoas representantes de movimentos, povos e comunidades tradicionais em torno do trabalho pela própria vida, que é também a vida de toda a Bacia São Francisco.
Há pouco mais de um mês, na primeira quinzena de julho, os povos indígenas Truká e Tumbalalá davam continuidade às ações contra o projeto de transposição e a garantia dos territórios tradicionais. Eles ocuparam fazendas no sertão de Pernambuco, esperavam acelerar os processos de demarcação, iniciados há pelo menos dez anos.
Acontece que o maior investimento do governo federal em solos do semi-árido, utilizando o velho e bom discurso da indústria da seca – matar a sede dos irmãos nordestinos – não considera o povo do rio, o povo das bacias. Aliás, não considera a Bacia, o rio e tampouco os afluentes. Os eixos leste e norte passam, literalmente, por cima do que deveria ser território demarcado.
A retaliação aconteceu no dia 06 de agosto, quando a Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), ao considerar uma dívida de mais de R$ 14 milhões da Funai, ordenou o corte no abastecimento de todas as famílias Trukás, que vivem dentro da Ilha Assunção, em Cabrobó (PE). Os índios buscaram uma resolução e, como forma de pressão, mantiveram técnicos da COELBA- a Companhia baiana, retidos durante uma tarde, derrubaram uma torre de alta tensão, ameaçaram derrubar outras e fizeram vigília – com a presença de homens, mulheres e crianças.
O Ministério Público federal interferiu, a energia foi religada, iniciaram-se as reuniões de negociação para pagamento de dívidas, inclusive a que a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), deveria, conforme argumento dos Trukás, ter pago pela instalação das torres em território indígena. Paralelo aos acontecimentos, a antropóloga Mércia Batista iniciou o estudo sobre a tradicionalidade dos territórios naquela região.
Hoje os dois povos estão envolvidos em rodadas de conversações mais interessantes do que as que acontecem com o governo, por apresentar avanços concretos. Essas acontecem com o povo da região, onde o governo vende a ilusão da tomada de água do eixo norte do projeto de transposição. As conversas envolvem posseiros, outros pequenos agricultores, assentados e reassentados, índios e as organizações que verdadeiramente conseguem se manter ilesas.
O resultado crescente é mais pedra, areia, cimento, tijolo, pá, força e bastante trabalho para o mutirão de construção de processos de revitalização que tem a cara de quem quer continuar a viver e garantir a vida das gerações seguintes.

* Clarice Maia, é jornalista membro da Articulação Popular em Defesa do São Francisco.