quarta-feira, outubro 31, 2007

Rio das Velhas contamina a Bacia do São Francisco


O mês de outubro em Minas Gerais, foi marcado pela contaminação das Algas Azuis ou Cianobactérias, no Rio das Velhas e no São Francisco. A situação é de calamidade. Os ribeirinhos nunca viram esse nível de contaminação nas águas da bacia. O rio está verde, com cheiro ruim, pessoas com vários sintomas de contaminação, toneladas de peixes agonizando, cegos e mortos. O fato está dado e comprovado. O Rio das Velhas está com alto nível de poluição e contaminando o São Francisco.

Os dados do SAAE de Pirapora mostram, em coleta realizada no dia 2 de outubro, que a quantidade de cianobactérias era de 1.364.750,36 células por ml. Número 136 vezes maior do que o parâmetro definido pelo Ministério da Saúde como viável para consumo humano – 10 mil células por ml de água. A análise também identificou elevados teores de Demanda Química de Oxigênio, amônia e nitrato. Parâmetros característicos de água poluída por esgotos. O estudo mostrou que o Rio São Francisco, a juzante do Rio das Velhas, apresenta níveis de cianobactérias considerados normais. Basta ver a diferença na cor da águas do Velhas com o São Francisco, quando ambos se encontram, para identificar de onde vem o problema.
O Rio das Velhas recebe toda a carga de esgoto industrial e domestico produzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte – são quase 5 milhões de pessoas. A região com a maior densidade demográfica da Bacia do São Francisco. Como também a economia mais industrializada. Isso tem seu preço.
Os Governos são responsáveis pelo Saneamento Básico e pelo controle/fiscalização das agressões ao meio ambiente. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) é responsável por aproximadamente 80% da prestação desse serviço na Bacia do São Francisco Mineiro. Na maioria das cidades, cobra pelo tratamento de esgoto, mas não o trata. Os municípios restantes tem os SAAEs (Sistema Autônomo de Água Esgoto) como prestadores de serviços. Existem algumas ETEs (Estação de Tratamento dos Esgotos) ao longo da Bacia do Rio das Velhas, mas a realidade mostra que o sistema de tratamento está longe de ser adequado. Aí entra um jogo de informações e manipulações de dados.
O discurso oficial é bastante contraditório, que coloca a ênfase no período seco e não assume a sua responsabilidade enquanto causador do dano ambiental. Muito menos assiste com respeito as comunidades atingidas. A realidade é bastante evidente. Se fosse o período de seca, outros rios, com menor volume de água, menor velocidade, também estariam contaminados. A outra pergunta que fica no ar é: a meta 2010, assumida pelo Governo de Minas, é realmente referente à revitalização do Velhas, ou às eleições para o Palácio do Planalto?

Proibição da Pesca.
O Instituto Estadual de Florestas, órgão ligado ao Governo do Estado de Minas Gerais, responsável pela gestão da pesca, baixou uma portaria publicada no dia 18 de outubro proibindo a pesca sob qualquer modalidade no Rio das Velhas e no São Francisco – este, da foz do Velhas até o município de Manga - divisa com a Bahia. Essa medida gerou polemica entre pescadores e o órgão do estado. Sem julgar o mérito, ela foi baixada de forma autoritária, sem nenhum diálogo com as colônias da região atingida, nem mesmo respeitando os acordos definidos no Grupo de Trabalho da Pesca do Alto Médio São Francisco Mineiro.

Transpor água para matar a sede?
O projeto de transposição do São Francisco vem usando o falso apelo sentimental dizendo que as águas do Velho Chico irão matar a sede de parte dos nordestinos. O alerta de contaminação das águas bem que poderia abrir os olhos dos que defendem a transposição. Sabemos que se ela fosse concluída, apenas 4% das águas iram para o povo das caatingas. Vale levar essa água podre, com custos altíssimos? A água do São Francisco, iria abastecer os grandes açudes do Nordeste. Será que vamos cultivar imensos lagos de algas azuis?


Alexandre Gonçalves é da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais e membro da Articulação Popular em Defesa do São Francisco na região do Alto.

terça-feira, outubro 30, 2007

DIA NACIONAL DE MOBILIZAÇÃO PELA REGULARIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS


*07 de novembro*
Diante de tantas distorções sobre nossa identidade étnica e pouco conhecimento sobre nossas causas, nós, quilombolas, vamos as ruas nestedia 07 de novembro mostrar a população os nossos jeitos, as nossasculturas, as nossas lutas e os nossos direitos.
Criamos esse Dia Nacional de Mobilização pela Regularização dos Territórios Quilombolas no mês de novembro porque essa ação também fazparte dos atos da Consciência Negra, que acontece no dia 20 de novembro,data em que Zumbi dos Palmares, liderança quilombola, foi assassinado.

Essa mobilização nacional está acontecendo ao mesmo tempo em cada cantodo país, de forma bem diferente, pois somos bem diversos e diversas, massomos todos e todas quilombolas. Inclusive, não é qualquer pessoa que pode ser quilombola, como andam dizendo por aí. Ser quilombola é fazerparte da comunidade quilombola, é participar da resistência à opressãohistórica, é ter ancestralidade africana, é se sentir quilombola, ser reconhecido pela comunidade com tal e ter um outro modo de relação com aterra baseado em aspectos simbólicos e de respeito ao meio ambiente quenão se pauta por uma percepção da terra como mercadoria como fazem os capitalistas interessados em explorar as terras para fins econômicos.

Atualmente, estamos vivenciando uma ofensiva para derrubar o decreto4887/ 2003 que regulamenta os processos de regularização dos nossos territórios.

A luta pela terra quilombola faz parte da histórica questão fundiáriaexistente no Brasil. Isto significa dizer que para assegurar o direito àterra para quilombola é necessário mexer na estrutura colonial ainda vigente no Brasil, onde quem possuía terra era homem, branco, rico e compoder de influenciar nas decisões importantes.

O nosso direito à terra coletiva é condição fundamental para agarantia da nossa sobrevivência política, socioeconômica e cultural. A nossa terra não pode ser dividida, vendida ou arrendada.

A regularização das nossas terras está embasada na Constituição Federal,Decreto 4887/03 e na Instrução Normativa da Presidência do Incra nº 20de 2005, e na Convenção 169 da Organização internacional do Trabalho – OIT, sobrePovos Indígenas e Tribais, que reconhece os direitos desses povos em"assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seudesenvolvimento econômico".

Queremos que a nossa luta fique visível para o povo brasileiro e que este reconheça e apoie nossa luta!!!

sábado, outubro 27, 2007

Marcha em Brasilia






Marcha dos Movimentos Populares em Brasilia no dia 24 de Outubro de 2007 marca posição contra a Reforma da Previdência, contra a Corrupção e um destaque na luta contra a Transposição do Rio São Francisco, por uma verdadeira Revitalização.

terça-feira, outubro 23, 2007

20o. Romaria de Canudos

Debate sobre o Projeto de Transposição do Rio São Francisco
Seminário de Debate sobre Canudos - Ontem e Hoje

Reflexão Ecologica - D. Luiz Cappio



Caminhada e Celebração da Romaria

sexta-feira, outubro 19, 2007

Em Minas Gerais a contaminação de rios ameaça a sobrevivência de ribeirinhos


Barra de Guaicuí – Mais de 400 pessoas, das comunidades ribeirinhas de Várzea da Palma, Ibiaí e Pirapora, em Minas Gerais, saíram, hoje (19), em manifestação contra a poluição por cianobactérias, desde o rio Das Velhas até o São Francisco. Os moradores estão assustados e temem pela manutenção de uma das principais atividades da região, a pesca.

O ato iniciou pela manhã, com concentração no distrito de Barra do Guaicuí, município de Várzea da Palma, e seguiu para a BR que liga os municípios de Pirapora a Montes Claros. Em seguida, uma ponte foi interditada por mais de meia hora. Estudantes da rede pública carregavam cartazes que cobravam a punição dos responsáveis e pescadores jogaram peixes mortos como sinal de alerta. “Se continuar assim todo ano, o que será de nós, as famílias dos pescadores?”, questiona Lorena Borges, de 14 anos.

Toda a atividade foi monitorada por quatro viaturas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – com agentes de Pirapora, Montes Claros e Belo Horizonte (MG) – e uma da Polícia Militar.

Os manifestantes cobram medidas mais eficazes por parte da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), acusada de ser a responsável pela propagação das chamadas algas azuis. “Os culpados na verdade estão lá, sentados. Não estão nem aí.”, afirma João Rettore.

A presidente do Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Barra de Guaicuí, Zélia Aparecida Viana, conta que foram distribuídas cestas básicas para os ribeirinhos. Entretanto, “a comida que eles distribuíram não dá para alimentar uma família nem por dois dias, só tem dois quilos de arroz”, conta Manoel Conceição. Ele mora em uma casa nas margens do Velhas, com mais cinco adultos e oito crianças.

Segundo informações divulgadas pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do estado, pelo menos 35 municípios estão comprometidos pelas águas contaminadas do rio Das Velhas, rio Doce e São Francisco que afeta também municípios baianos, até Bom Jesus da Lapa (BA).

As análises do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), de Pirapora, apontam que o índice de células encontradas a cada mililitro ultrapassa 1,3 milhão. A portaria 518 do Ministério da Saúde recomenda que o máximo permitido para consumo humano é de 50 mil. Isso indica que a contaminação é 130 vezes superior ao recomendado. “O termômetro da água é o peixe, se ele não sobrevive, não serve para mais nada”, diz João Rettore.

Os laudos indicam que a contaminação se dá a partir da grande quantidade de esgotos despejados na região metropolitana de Belo Horizonte, que deságua no Velhas. A matéria orgânica serve para a reprodução das chamadas “algas azuis” e diminui a quantidade de oxigênio da água. O resultado é uma coloração verde, forte odor e peixes mortos.

Serviço
Mais informações:
Alexandre Gonçalves – (38) 91933693
Josimar Alves Durans (Colônia de Pescadores de Ibiaí) – (38) 37461122
João Rettore (Barra de Guaicuí) – (38) 37315032

20o. Romaria de Canudos: Memória e Missão

Dias 20 a 21 de Outubro de 2007 em Canudos

quarta-feira, outubro 17, 2007

O semi-árido: o mais chuvoso do planeta

Leonardo Boff

O romancista Graciliano Ramos, o pintor Di Cavalcanti e o cantor-sanfoneiro Luis Gonzaga nos acostumaram a associar o semi-árido nordestino à seca. Mas se trata de uma visão curta e parcial. Os últimos anos conheceram notável mudança de leitura. Estudos minuciosos e trabalhos consistentes suscitaram uma visão revolucionária. Fala-se menos de seca e mais de Semi-Árido com o qual se deve conviver criativamente. Nesta tarefa ganham relevância ONGs, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Articulação do Semi-Árido (ASA) que inclui 800 entidades ao redor do projeto "um milhão de cisternas" (já se construíram 200 mil) e o Movimento de Organização Comunitária (MOC) de Feira de Santana-BA que atua em 50 municípios. O melhor apanhado desse processo prático-teórico nos é oferecido pelo exímio conhecedor da bacia do São Francisco, Roberto Malvezzi, com seu livro "Semi-Árido: uma visão holística" (Pensar o Brasil 2007). O eixo central é entender o Semi-Árido como bioma e a estratégia consiste na convivência não com a seca, mas com o Semi-Árido.

Tal bioma, chamado caatinga, recobre uma área de 1.037.00 km quadrados com rica biodiversidade. Na época da seca quase tudo hiberna. Mas basta chover, de setembro a março, para, em alguns dias, tudo ressuscitar com um verdor deslumbrante. Não há falta de água. Como média caem 750 mm/ano. É o Semi-Árido mais chuvoso do planeta. Mas pelo fato de o solo ser cristalino (70%), impedindo a penetração da água, acrescentando-se ainda a evaporação por insolação, perdem-se anualmente cerca de 720 bilhões de litros de água. Recoletada, seria mais que suficiente para toda a região.

A estratégia da convivência com o Semi-Árido "visa a focar a vida nas condições socioambientais da região, em seus limites e potencialidades, pressupondo novas formas de aprender e lidar com esse ambiente para alcançar e transformar todos os setores da vida". Com efeito, os vários grupos que por lá atuam, utilizam o método Paulo Freire que consiste, fundamentalmente, em criar sujeitos ativos, autônomos e inventivos. Assim aprendem a aproveitar todos os recursos que a caatinga oferece, utilizando tecnologias sociais de fácil manejo com o propósito de garantir a soberania e segurança alimentar, nutricional e hídrica através da agricultura familiar e de pequenas cooperativas.

Entre muitos, três projetos são notáveis: o da construção de um milhão de cisternas de bica que recolhem água da chuva dos telhados, conduzindo-a diretamente para o reservatório de 16.000 litros hermeticamente fechado (pode se fazer cisternas maiores ou menores). O outro é "uma terra e duas águas"(o "1+2"): visa garantir a cada família uma área de terra suficiente para viver com decência, uma cisterna para abastecimento humano e outra para a produção. Por fim, o Atlas do Nordeste, proposta da Agência Nacional de Águas para beneficiar 34 milhões de nordestinos do meio urbano, custando a metade da transposição do rio São Francisco. Esse projeto se opõe à transposição, qualificada como "a última obra da indústria da seca e a primeira do hidronegócio".

Os referidos projetos, se implementados, custarão muito menos, atenderão a mais gente e não causarão impactos ambientais. Por fim, cito duas outras iniciativas do MOC: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), oferecendo educação contextualizada às crianças e o Baú da Leitura. São baús cheios de livros que percorrem as comunidades entretendo as pessoas com leituras, interpretações e teatralizações, fazendo o povo pensar. De fato, o ser humano não nasceu para passar fome, mas para irradiar, como diz um de nossos poetas-cantadores.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Quilombolas Ameaçados por elites locais

A reação das elites locais ao processo de autodefinição do povoado Brejão dos Negros como uma comunidade quilombola tem deixado o pequeno município de Brejo Grande (SE) em pé de guerra. A oposição ao reconhecimento vem sendo liderada pelo prefeito Carlos Augusto Ferreira e pela juíza da vizinha Neópolis, Rosivan Machado. Segundo moradores, muita mentira vem sendo usada para enganar a população.
Pág. 8 publicado no jornal Brasil de Fato
Por João Zinclar e Clarice Maia

quarta-feira, outubro 03, 2007

Mais do que contra a transposição a Caravana é a favor de soluções verdadeiras

Ruben Siqueira*

A Caravana em Defesa do Rio São Francisco e do Semi-Árido Contra a Transposição cumpriu seu objetivo de recolocar, em nível nacional, o debate sobre o desenvolvimento do semi-árido e a situação do rio, questionando se a transposição é real solução ou mais problema para a tão sofrida região nordestina e para o próprio São Francisco. A transposição é como combater a fome construindo um imenso super-mercado, dizia, didático, o pessoal da Caravana. Isso só interessa à nova “indústria da seca”, que ainda constrói fortunas e mantém currais eleitorais, inclusive para eleições presidenciais. Se o povo vai ter que pagar por água tão cara, subsidiando os usos econômicos intensivos em água (fruticultura irrigada, criação de camarão, siderurgia, etc.), ele tem o direito de saber a verdade e escolher se aceita ou não o “presente de grego”. Mas isso lhe está sendo negado com a veiculação de peças publicitárias, intencionalmente mentirosas.

Mais do que “contra” um projeto falacioso, a Caravana apontou para a necessidade de aprofundar a busca de soluções reais para o reconhecido déficit hídrico de algumas regiões do semi-árido. Isso fez a diferença, venceu resistências, plantou dúvidas e conquistou adesões à idéia da convivência e não de combate às condições naturais do semi-árido. As soluções existem, como pudemos comprovar nas experiências realizadas por organizações populares congregadas na ASA, que já catalogou mais de 140 tecnologias viáveis para o meio rural. O “Atlas Nordeste” da ANA – Agência Nacional de Águas revela o diagnóstico das necessidades reais do abastecimento hídrico humano nas cidades do semi-árido e indica as soluções diversificadas e descentralizadoras de recursos, a um custo de 3,6 bilhões, metade do custo da transposição até 2010 (o custo total é de 20 bilhões!). Todos se perguntaram: por que não é essa a opção?

Foram visitados os dois maiores açudes do Nordeste, Castanhão-CE (6,7 bilhões de m3) e Armando Ribeiro-RN (2,4 bilhões de m3). Impressiona a quantidade de água estocada da região mais açudada do mundo, que é o semi-árido brasileiro: são 70 mil açudes, com capacidade de 37 bilhões de m3, dos quais apenas 25% são aproveitados. E o povo passando necessidade ao redor. Tal qual acontece em muitas regiões do São Francisco. O problema é mesmo gestão democrática e eficiente e não falta d’água.

Foi além de qualquer expectativa encontrar em todos os lugares tanta reação contrária ao projeto. Uma Frente Paraibana inaugurou-se em João Pessoa, congregando dezenas de entidades, como já acontece no Ceará. A Caravana foi oportunidade para ganhar visibilidade uma crescente onda popular por uma nova prática política, cada vez mais distante dos centros institucionais do poder. E por um outro desenvolvimento, econômica, social e ambientalmente equilibrado, em que o povo organizado demanda e é sujeito de soluções reais, como acontece tão fortemente no semi-árido. Ele só não é mero “entrave ao crescimento”, como disse o Presidente Lula; ao contrário, é parte essencial do verdadeiro desenvolvimento sustentável.

A Caravana conseguiu sensibilizar autoridades para exigir do governo federal a retomada do diálogo sobre o desenvolvimento do semi-árido, a necessidade ou não da transposição e alternativas a ela. Governadores de Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas se comprometeram com a reabertura desta discussão, inclusive em levar a questão ao Presidente.

Diante das ilegalidades, tais como os estudos de impactos ambientais incompletos e os impactos sobre populações indígenas sem consulta ao Congresso Nacional, cresce a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal agilize o julgamento das ações contra o projeto e, em sessão plenária, decida sobre o mérito da questão e impeça definitivamente a obra.

A Caravana foi uma especial oportunidade de conhecer o Brasil, repensar nossas referências de vida e de trabalho, de desenvolvimento, de política, de nação... Se o Brasil ainda faz sentido, será para resolver as necessidades materiais e imateriais da maioria de seu povo, com suas diversidades e potencialidades, para um desenvolvimento equilibrado, auto-sustentado e soberano. A questão do semi-árido e no rio São Francisco pode ser a ocasião para que esse desafio comece, finalmente, a ser enfrentado com seriedade.

* Sociólogo da Comissão Pastoral da Terra / Bahia, participou da Caravana.

São Francisco e o Aquecimento Global.


Roberto Malvezzi (Gogó)

Falo do santo, falo do rio com seu nome. O santo que deu o nome a esse rio, esse poeta que viveu há aproximadamente oitocentos anos, jamais imaginou que seria a figura simbólica mais importante da humanidade no início do terceiro milênio. Nenhum ser humano é mais pertinente, mais presente, mais simbólico que Francisco. Ele jamais imaginaria que todos seus irmãos, desde os humanos até ao mais rasteiro dos sapos, estariam em risco de extinção total no começo do terceiro milênio.

O aquecimento global é a tragédia mais completa que o ser humano pode enfrentar. Seja o aquecimento progressivo, seja o aquecimento exponencial de Lovelock, o ser humano jamais conheceu algo parecido em sua história.

O rio São Francisco dista mil metros de minha casa. De minha janela posso olhar a ponte que une Juazeiro e Petrolina. Sua água azul corre serena, como se tudo estivesse em paz. Pela Pastoral dos Pescadores trabalhei onze anos dentro do rio. Conheço bem suas curvas, seus afluentes, seu povo, suas tragédias. Agora, paira sobre o velho rio a sombra do aquecimento global. Todos os dados indicam que a região brasileira mais prejudicada será o semi-árido. O mínimo que vai acontecer será a redução de 20% de sua pluviosidade. Também o volume de águas do velho Chico deverá diminuir em 20%, no mínimo. Enfim, o que já é ruim pode tornar-se ainda pior. Caso se concretize a teoria de Lovelock, o semi-árido será apenas um deserto.

Nesse dia quatro de Outubro, dia de S. Francisco, dia do rio São Francisco, as comunidades ribeirinhas celebram o rio e o santo com festas de padroeiro, manifestações, programas de rádio e televisão. Nosso povo tem amor ao seu rio. Para nós ele não é um esgoto, nem apenas um manancial de água. Ele tem nome, tem vida, ele corre por dentro de nossas veias. Agredido, destruído, estuprado, ainda sobrevive. Se morrer, não haverá mais povo no semi-árido. Por isso nossa luta é simbólica em todo território nacional, até fora do país.

Você que acaba de ler esse texto, não se esqueça de pedir a São Francisco que ele zele pelo seu rio, que ele zele por todo nosso planeta. Não se iluda, na crise global do clima, ninguém escapará ileso.