domingo, novembro 23, 2008

Quem não tiver ideologia que atire a primeira pedra

Roberto Malvezzi (Gogó)

De um lado a fome, sede e crise ambiental mundial. Do outro a insistência das elites mundiais nos agrocombustíveis, como aconteceu em S. Paulo esses dias. Fatos como esse nos obrigam a reconsiderar a famosa “luta de classes”. Quando esse assunto espinhoso e crucial entra em pauta, somos acusados de “ideologizados e promotores da luta de classes”.
Gramisci, ao contrário de Marx, deu um sentido positivo à ideologia, como um conjunto de idéias bem alinhavadas que orientam os grupos na sociedade em busca do poder. Dizia que há vários níveis de ideologia: o senso comum, a religião e a filosofia. O senso comum orienta as massas. A religião certos grupos mais elaborados. A filosofia como a suprema elaboração ideológica das elites.
Mesmo discordando da forma estanque dessas afirmações, não há mais como acusar ninguém de ideologizado sem olhar para o próprio espelho. Afinal, a pergunta correta é: qual é a minha ideologia? Portanto, parafraseando Jesus, “quem não tiver ideologia que atire a primeira pedra”.
Esse assunto volta agora porque, no Brasil e no mundo, as elites estão promovendo a luta de classes com todas as armas que podem para salvar seus interesses. A única classe social totalmente consciente do lugar que ocupa na sociedade é a classe dominante. Só ela tem pessoas e meios para promover cotidianamente a defesa de si mesma. Ela se esforça para subordinar ideologicamente todos aos seus interesses. Quando não consegue, promove as guerras para manter seus privilégios. Por isso, tem seu poder armado.
Quando aos dominados, sua ideologia é confusa, mesclada com valores dos dominantes, com poucos recursos, pessoas e meios para fazer o confronto de classes que essa sociedade lhes impõe. Porém, se ousarem erguer a cabeça, ainda que seja por meios pacíficos, vão sofrer as conseqüências de sua ousadia.
Tudo que acontece no Brasil em termos de ataque aos índios, aos negros, aos sem terra, aos ambientalistas, a todos que ousarem erguer a cabeça contra as injustiças, tem razão de ser também na sociedade classista brasileira, ainda que não exclusivamente.
A Conferência Mundial dos Agrocombustíveis promovida pelo governo brasileiro em S. Paulo nos dá a exata medida do que acontece no Brasil e no mundo nesse momento: enquanto movimentos sociais das mais variadas matizes se reuniam para defender a soberania alimentar e energética dos povos, as elites mundiais se reuniam para avançar furiosamente com seus agrocombustíveis sobre áreas agrícolas, países pobres, áreas de florestas, assim por diante. Dizer que um lado e outro não sabia exatamente o que estava fazendo é pura ingenuidade ideológica.