segunda-feira, julho 23, 2007

A Luta contra a Transposição e o “Desenvolvimentismo” Neoliberal

O desenrolar da luta contra o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco para os estados do PE, PB, RN e CE tem evidenciado mais que a trama que envolve o projeto, tem revelado bastante da conjuntura atual do país. Interesses econômicos e políticos os mais diversos, regionais, nacionais e internacionais estão em disputa, os poderosos achando que conseguem se impor. A resistir os lutadores do povo que ainda restam.

O Governo Lula, que se diz “de coalizão”, costura e potencializa os interesses das elites. O PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento, é o eixo. Grupos e partidos são cevados em vista da continuidade do atual esquema de poder nas próximas eleições (2008, 2010 e 2014). Voltam a ideologia desenvolvimentista e o modo autoritário e repressivo (vide o despejo dos acampados contra a transposição em Cabrobó). Esquecendo tudo o que pregava o PT, remonta-se ao período da Ditadura Militar, quando se fez crer que o crescimento econômico a qualquer custo, bancado pelo Estado, geraria um ciclo virtuoso de desenvolvimento – “crescer o bolo para depois dividi-lo”, dizia Delfim Netto, o poderoso Ministro da Fazenda de então, hoje conselheiro de Lula. Sabemos na pele no que deu...

O projeto de transposição é o mais avançado do PAC, com obras já inauguradas, consumindo 6,6 bilhões de reais até 2010. O agronegócio, à frente os chamados biocombustíveis, é o setor privilegiado no momento. Vinculado ao capital especulativo, torna-se na principal “lavanderia” de dinheiro ilícito... Para o agronegócio está destinado o grosso das águas da transposição (70% no total e 87% no Eixo Norte). E vêm por aí as Hidrelétricas no Rio Madeira, Angra III e Centrais Nucleares no Rio São Francisco, a Transnordestina, a transposição do Tocantins, etc.

O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), ele próprio líder do grupo mais interessado na transposição, começa a agir com mais desenvoltura para ser ungido o sucessor de Lula. As obras da transposição, sejam como fator da continuidade da coalizão lulista, inclusive como atrativo de financiamentos de campanha eleitoral, sejam como atrativo de votos das massas, acabam tendo papel decisivo para o atual e futuros governos. Se não der para tudo agora, Lula vai com o Eixo Leste (para Pernambuco e Paraíba), para provar que faz e atrair apoios titubeantes.

Por isso o projeto vem sendo imposto autoritariamente, com uma seqüência de infrações às leis. A criação de um Grupo de Trabalho Truká pela FUNAI para averiguar a pertença da área do início do Eixo Norte aos índios Truká é, na prática, confissão de que o aval dado anteriormente foi irregular.

No dia 5/7 o Procurador Geral da República entrou no STF com um pedido de suspensão das obras, baseado no descumprimento das condições impostas pelo Min. Sepúlveda Pertence, em 15/12/06, quando derrubou as liminares que impediam as obras. Impactos ainda não haviam concretamente, agora há. A decisão deve acontecer em agosto.

Governadores do Setentrional e lobistas do projeto estão preparando campanha pró-transposição, com recurso público anunciado pelo Ministro Geddel, da Integração. Até um bispo acharam para por à frente, o Arcebispo da Paraíba, D. Aldo Pagotto. Por outro lado, a luta contrária deve dominar os atos do dia 25/7, Dia do Camponês, em vários lugares, inclusive em Aracajú, que deve ter a participação de mais de 10 mil pessoas. De igual modo no Fórum Social Nordestino, em Salvador, de 2 a 5/8. Uma caravana de um grupo de professores e ativistas contra a transposição vai percorrer 12 capitais, entre 12 e 25/8. E não vai ficar só nisso.

A polêmica voltou em nível nacional e não deve mais sair, até que se resolva. Está em jogo o futuro do Brasil, mais que do São Francisco e do Nordeste. Continua a submissão de nossas potencialidades aos interesses da minoria daqui e de fora, ou os lutadores do povo que ainda restam conseguirão recolocar a urgência de um projeto nacional, com eixo eco-social?

* Ruben Siqueira, sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra / Bahia, é da Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco.