terça-feira, julho 17, 2007

Manifesto da Sociedade Canoa de Tolda ao Baixo São Francisco e todos Brasileiros

Face às novas e graves ameaças ao Baixo São Francisco, representadas pela proposta de construção de uma nova barragem nas proximidades de Pão de Açúcar (AL), de uma usina nuclear, pela reativação e retomada da exploração de poços de petróleo em terra firme na foz do São Francisco e pela transposição das águas do rio, a Sociedade Canoa de Tolda vem a público manifestar seu repúdio a estas ações.

O Baixo São Francisco não está incluído nos programas de desenvolvimento do Governo Federal e nunca foi prioridade para os estados de Sergipe e Alagoas. Entretanto, o crescente passivo sócioambiental das ações voltadas ao benefício de outras regiões do país ou ao aumento do capital privado é sempre do ribeirinho deste trecho do São Francisco, que sofre com tudo o que se faz rio acima, do despejo de esgotos, à poluição com agrotóxicos, resíduos de minerações e à redução da vazão e dos nutrientes das águas.

A construção da barragem de Pão de Açúcar vai gerar energia para outras partes do país. O custo para o ambiente e para a vida do ribeirinho, entretanto, é enorme: ainda menos nutrientes nas águas abaixo da represa, desalojamento dos moradores acima da barragem e seu isolamento do restante do rio, inundação de diversos povoados na região do lago-reservatório e das poucas áreas disponíveis para plantio. A população do São Francisco, que já paga uma enorme e antiga conta para possibilitar aos seus conterrâneos energia para seu conforto e para o desenvolvimento de seus municípios, não deseja e não merece nenhum acréscimo de sacrifício.

Da mesma forma, a construção de uma usina nuclear na bacia do São Francisco, em seu trecho baixo, vai gerar energia de que o ribeirinho não precisa: não cabe a justificativa de projetos de indústrias com demanda elevada para esta região - ainda que existissem - , e ela será empregada, de fato, longe das margens. Restará, para nós, o risco permanente de um desastre, o isolamento de uma grande área por razões de segurança e mais uma depreciação da paisagem do rio.

A situação na foz do rio, já muito grave devido à ação do mar, em processo de erosão acelerado, ao assoreamento e ao impacto das mudanças do rio na pesca, está agora ameaçada pela retomada da exploração de petróleo, com a reativação de poços de petróleo dentro de manguezais, autorizada por órgãos ambientais de forma açodada, sem respeito às populações, que seguem não sendo consultadas (recebem, como contrapartidas as ¨aulas de educação ambiental¨aplicadas pelos empreendedores ou seus representantes), abrindo um precedente sem qualquer bom senso, colocando a todos em risco, como é comum neste tipo de exploração no país e no mundo. A produção de petróleo é um negócio que movimenta fortunas elevadíssimas atendendo prioritáriamente ao capital investidor: não gera empregos locais, traz consigo o aumento da devastação da flora e da fauna da região, a instalação de máquinas e tubulações perigosas ao ambiente e ao homem, o aumento de tráfego de veículos de carga em áreas de preservação permanente e ainda outros impactos inerentes a esta atividade econômica. As tão divulgadas compensações são particularmente mínimas para nossa região. A título de exemplo, no município de Brejo Grande, SE, entre 1999 e o início de 2007, foram creditados, como royalties de petróleo, mais de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), segundo dados da ANP-Agência Nacional de Petróleo, o que não redundou em melhoria da qualidade de vida da população. Por estes e tantos outros motivos, a retomada da extração de petróleo não é de interesse do povo da região, sem que haja uma contrapartida clara, consistente, para os que moram na foz.

Por fim, a Sociedade Canoa de Tolda repudia a iniciativa de transposição do São Francisco, por entender que as águas transpostas, pelo seus já comprovados elevado custo e difícil distribuição, não vão beneficiar o sertanejo, sendo apenas um engodo político que esconde interesses de empreiteiros e de outros atores das classes dominantes. A Sociedade Canoa de Tolda entende, também, que as propostas de vazão de retirada de água de Sobradinho são inaceitáveis, pois, além de destinadas a atender a projetos agro-econômicos, colocam em plano completamente secundário a existência de populações desassistidas no Baixo São Francisco e os efeitos devastadores para estas, para o meio ambiente da região, podendo inclusive causar problemas para a geração de energia.

Em contrapartida, a Sociedade Canoa de Tolda apóia a imediata revitalização do rio São Francisco, em todos os seus trechos, vista sob a ótica integradora de um conjunto de ações, que implica em:

planejamento de médio e longo prazos para o desenvolvimento equilibrado e sustentável da região, com respeito aos valores locais, com a fundamental participação da população na construção e nas decisões das ações para a região.

o estabelecimento formal de compromissos, responsabilidades e deveres envolvendo todas as partes, a saber: ribeirinhos, poder público (município, estado, governo federal), sociedade civil organizada e demais atores para que seja garantido o sucesso do programa de ações.

uma solução democrática para a questão fundiária do Baixo São Francisco, sem a qual será impossível qualquer ação de recuperação e/ou reflorestamento das zonas marginais.

Estas ações, por sua vez, envolvem:

uma educação transformadora, de qualidade, calcada na realidade e nos problemas locais,livre das imposições de um modelo padronizado, a partir de um panorama distante da região.
a presença definitiva do poder público na região, de forma transparente, ágil e participativa na gestão pública, fiscalização, controle e aplicação de recursos (inclusive conselhos municipais e estaduais).
a discussão urgente de alternativas à pesca no Baixo São Francisco, cujos estoques pesqueiros, por razões diversas, estão a caminho do total esgotamento.
a implantação urgente e prioritária da Área de Preservação Ambiental Federal da Foz do São Francisco, até hoje paralisada no IBAMA em Brasília, além da criação de novas Unidades de Conservação em outras zonas de risco no Baixo São Francisco.
a definitiva união de todas as comunidades do São Francisco, em torno da causa maior, a sobrevivência digna de todos, sem qualquer tipo de discriminação, pois todos vivem o mesmo problema e devem, portanto, engajar-se em soluções coletivas.
o entendimento, por parte de todas as partes, de que estas ações, se devidamente conduzidas a diante, terão conseqüencia em um prazo longo, talvez de uma ou mais gerações.

Brejo Grande, 2 de julho de 2007